Futebol Formação - Futebol Inteligente

Para quem acredita que jogar bem é jogar com a cabeça

2006-12-18

Perspectiva Sistémica do Treino

No seguimento de um dos últimos posts, o dos vídeos do MU e da selecção alemã, recebi um texto de um grande amigo, ligado ao futebol, tanto a nível académico como de balneário. O Ricardo, para além de excelente treinador, é ainda um acérrimo defensor do treino sistémico, e deixa-nos aqui este texto:

Pois...o que mudou?...
Talvez os conhecimentos que a estrutura técnica alemã possui...Maiores conhecimentos específicos sobre os factores de rendimento físico-atlético, "técnico-táctico" e psicológico..., ou seja, NADA!
A perspectiva analítica do treino é exactamente a mesma! O verdadeiro problema é aquilo que eu denomino de "Crise de Percepção".
Para quê sabermos tanto daqueles factores que referi à pouco, se nada percebemos dos seus pontos de conexão?
Valerá mesmo a pena continuar a isolar e a tentar solucionar problemas da preparação dos atletas, sem percebermos a relação que essa parte possui com o todo?
Muitas vezes pensamos que estamos a solucionar e estamos só a remendar...e consequentemente a destreinar o todo, ou pelo menos a perder tempo de treino...
A tendência evolutiva do processo de treino deixou à muito tempo de estar centrada nos factores de rendimento: "Jogar" é muito mais do que a soma de correr e resistir à instalação de fadiga..., com a beleza estética e eficiência dos gestos técnicos..., com uma mentalidade forte e espírito de sacrifício..., com um "desenho táctico" eficaz. "Jogar" é muito mais! A tendência evolutiva do processo de treino assenta na multidimensionalidade da performance, e na identificação e treino das situações fundamentais que concorrem para o "Jogar" de uma determinada equipa. Para o "Jogar" e não para o Jogo, porque o "Jogar" exprime uma determinada forma de organização do jogo, que poderá ser bastante diferente de equipa para equipa e, na verdade, é realmente diferente em todas elas!
O meu apelo e aquilo que humildemente tento fazer e ensinar no meu dia-a-dia é: DEIXAR DE TREINAR ACÇÕES PARA PASSAR A TREINAR INTERACÇÕES!
Identifiquem os comportamentos individuais, de grupo e colectivos que realmente querem que os vossos jogadores ponham em prática, e construam situações de treino (exercícios) que estimulem esses princípios/comportamentos. Não se esqueçam da relação de coerência que esses princípios/comportamentos devem ter com a restante organização de jogo, ou seja, pensem que os exercícios não podem treinar uns comportamentos e destreinar outros...

Um abraço a todos,

Ricardo Duarte

2006-12-17

E por falar em especificidade

Aqui está o treino mais específico que consegui encontrar no YouTube...

Evolução

Comparando os 2 vídeos, e para além das camisolas e dos materiais, o que vos parece que evoluiu no processo de treino?



2006-12-06

Técnico-Táctico ou Táctico-Técnico?

Ora aqui está um dos grandes chavões do futebol – Técnico-táctica.

Normalmente aplicado para caracterizar a qualidade de um jogador pelos comentadores da nossa praça, é usado pelos estudiosos para falar de acções, tanto individuais como colectivas, realizadas pelos jogadores.

E porquê abordar hoje este tema? Primeiro porque um colega meu se encontra actualmente a trabalhar numa academia onde usam qualquer coisa parecida com o método Coerver, para trabalho da técnica individual – algo que vai contra a sua (e a minha) maneira de entender todo o processo de formação; Segundo porque deixei uma questão no meu último post – Estarão os treinadores habituados a pensar os exercícios em especificidade?

Assim, começo mesmo por questionar – será mais correcto falarmos de acções técnico-tácticas, ou de acções táctico-técnicas? – A pergunta no fundo será – o que existe primeiro? Uma acção técnica ou uma acção táctica?

Na minha opinião, a expressão correcta, dentro deste contexto e ainda que menos utilizada, será acções táctico-técnicas. A razão é simples – a técnica não faz sentido se não dentro de um contexto táctico. E qualquer acção técnica é sempre precedida por uma acção táctica.

Tentando passar isto para um contexto mais prático – Um passe, num exercício de 3x3, por exemplo, só acontece porque antes, o jogador com bola, olhou para o jogo, analisou o posicionamento dos colegas e adversários, as suas acções, e tomou uma decisão. Esta decisão que ele toma é táctica! Apenas a resposta pode ser uma acção técnica. Mas será sempre um produto, algo que surge à posteriori de todo um complexo processo de análise e de tomada de decisão. Daí a escolha por táctico-técnica.

Assim, de que serve ensinar os jogadores a maneira de realizar um passe, quando o importante no jogo será tudo aquilo que está antes do passe? Todo o processo de análise e de tomada de decisão. Quando o que importa não é o como, mas sim o quando e o porquê.

Por tudo isto, devo confessar-me pouco crente em todas as metodologias que têm por base aquilo que é a técnica individual, sendo a mais conhecida de todas a de Coerver. Concordo que o trabalho de técnica individual seja importante, principalmente e fundamentalmente nos escalões mais baixos, mas acho que o ensino do jogo, e da sua dimensão táctica, devem começar o mais precocemente possível.

Voltando à minha questão do último post, acerca da capacidade dos treinadores criarem exercícios em especificidade, e englobando toda a anterior problemática das acções táctico-técnicas, levanto mais um problema – Porquê passar treinos a corrigir as acções técnicas dos nossos atletas? Porquê dar mais atenção ao produto do que à globalidade da acção? Será que um golo marcado com a biqueira da bota tem menos valor do que um com o peito do pé? Não me parece…

Por último a grande questão, em jeito de desabafo… Será que nos podemos dar ao luxo de perder tempo com um exagero de trabalho técnico (e por consequência menos especifico…), ou estaremos a colocar em causa todo o desenvolvimento e potenciação dos nossos atletas?


Hugo Alexandre Folgado

2006-12-02

A especificidade II

Primeiro pedir desculpas a todos os que acompanham o blog por tão prolongada ausência, muito bem suprimida pela grande actividade do Gonçalo, com os seus novos conhecimentos catalães.

De seguida dar a minha opinião sobre aquilo que tem sido a discussão acerca da periodização táctica e daquilo que é a especificidade no treino.

Primeiro referir desde logo que, actualmente, com base naquilo que é o meu conhecimento, sou um apologista de uma perspectiva sistémica de todo o processo de treino. O mesmo é dizer que encaro o jogo como um sistema global e indivisível, onde todos os factores de rendimento estão englobados dentro daquilo que é a maior esfera do futebol, a sua dimensão táctica. Daqui surge aquilo que é a tão discutida periodização táctica.

Este tipo de periodização requer um treino com um grau de especificidade extremamente elevado, como é lógico. Mas antes de isso requer algo que, apesar de parecer extremamente simples e lógico, nem todos os treinadores fazem – Saber exactamente o que querem da sua equipa! Como, quando, onde e porque!

A especificidade não é somente treinar sempre futebol! É sim treinar o nosso futebol!

Falando de treino, e no seguimento do comentário do Rui Gomes, concordo em absoluto no aumento progressivo de exigência na sessão. Mas este aumento tem que ser sempre realizado de modo a ir ao encontro dos objectivos do treino, que devem estar englobados nos objectivos da semana, do mês e da época.

Passando para a prática, e relatando aquilo que é a minha experiência presente, uma sessão de treino da minha equipa tem mais ou menos esta forma:

- Iniciamos com um ou dois exercícios de mobilização com bola, normalmente com exercícios complementares, com elevadas exigências ao nível da concentração (que apesar de não ser um principio de jogo, é um dos grandes objectivos para o jogo da minha equipa – logo estamos a treinar em especificidade) e onde trabalhamos logo alguns objectivos tácticos.

- Na parte principal do treino normalmente procuramos um problema, baseado na avaliação que fazemos da nossa equipa em função dos nossos objectivos, que apresentamos aos jogadores sob a forma de jogos modificados, onde eles vão, mais ou menos sozinhos, encontrar soluções para a solução de esse mesmo problema. Um exemplo prático muito simples – Se a minha equipa está a falhar nas coberturas ofensivas, apresento um exercício onde exista um jogador que está condicionado a jogar sempre atrás da linha da bola, a dar apoio e a realizar a cobertura.

- Na parte final realizamos situações de jogo, normalmente mais abertas, onde vamos procurar avaliar novamente aquilo que foi o problema inicialmente proposto aos jogadores.

Como é lógico, este tipo de treino só é possível porque sabemos exactamente onde estamos e para onde queremos ir, o que possibilita desde logo o aumento de treino em especificidade.

Como diz, e bem, o Gonçalo, o treino em especificidade não é só o jogo na sua globalidade. É, na minha opinião, modificar o jogo (enquanto exercício) de modo a que o mesmo vá de encontro aos nossos objectivos.

No entanto isto coloca-nos um grande desafio – Pensar nos exercícios de treino para que estes vão de encontro aquilo que são os nossos objectivos, tanto imediatos, como a longo prazo (a tal progressividade horizontal).

Assim, deixo aqui uma questão para futura discussão – Estarão os treinadores habituados a pensar os exercícios em especificidade?